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estilo > tendências: vestir de dentro pra fora

Minha mãe tinha uma loja de roupas e eu cresci frequentando feiras de moda para comprar “o que estava por vir”. Ao mesmo tempo, ouvindo dela mesma que roupa não se joga fora porque a moda é cíclica. Aprendi que é importante comprar roupas de qualidade e cuidar, guardar para herdar, reformar e reusar. Isso foi muito antes do fast fashion dominar a maioria dos armários, quando ainda se valorizava a roupa sob medida, o ofício de costureira ou alfaiate, e a relação com a roupa era mais significativa.


Como administradora, passei anos na indústria da moda calculando por trás da tela como seria possível vender mais roupas com um lucro maior. Baixar o custo pressionando a cadeia produtiva era o dia a dia, e ter sempre novidades de acordo com as tendências era o caminho. Obviamente durante esses anos também fui vítima do meu próprio veneno e tinha um armário cheio de marcas que alimentavam esse ciclo vicioso.


Lá em 2017, um burnout me obrigou a abandonar a indústria. Eu já trabalhava como consultora de estilo em paralelo, mas com outra abordagem. Decidi encontrar um novo caminho nessa carreira. Para construir um método focado no consumo consciente, tive que entender o que nos fazia parar de olhar para dentro e deixar que as vitrines ditassem com o que queremos cobrir nosso corpo, que mensagem queremos passar com nossas roupas e o que precisamos consumir ou possuir. Foi importante absorver o aprendizado desses anos na indústria e resgatar o significado do vestuário, começando pelo meu próprio guarda roupa. Precisava mudar as perguntas para encontrar um caminho com mais intenção, com o tão famoso propósito.


Meu jeito de começar foi entendendo como nasce uma tendência de moda. Antes de virar desenho, material ou cor, ela surge como um fenômeno sociológico, uma macrotendência comportamental, o resgate de algum sentimento ou necessidade prática. Isso serve de inspiração para os estilistas, sua interpretação da tendência aparece nas coleções apresentadas nas semanas de moda e se espalha como inspiração no mercado - ou cópias no fast fashion ¯\(ツ)/¯ , que adapta os designs para produzir em escala.


Mas, não necessariamente, a tendência é a história que a gente quer contar, né? Então, por que continuamos ouvindo que a pessoa “estilosa” é aquela que usa a última tendência?


Estilo pessoal é o conjunto de crenças, histórias e desejos de cada um. Vai muito além da roupa, se constrói com cada atitude e decisão que tomamos. Se é assim, todos nós temos estilo e devemos saber avaliar e decidir se o que está na moda tem a ver com a gente. Tem gente que quer mostrar que está por dentro da moda, porque ser “atual” faz parte da identidade e, então, faz sentido seguir as tendências, e tudo bem. Mas eu continuo acreditando que todos temos mais para contar e procuro encontrar isso em cada cliente para construir estilos verdadeiramente pessoais.


Para mim, vestir-se é auto-expressão. Pra gente contar algo próprio, precisa começar conhecendo e aceitando, construindo identidade a partir dessas observações, frustrações e vivências. Comece mudando as perguntas! Antes de querer saber "o que está na moda" ou "o que fica bem no meu tipo de corpo", saber qual é a sensação que quer ter ao vestir, qual é o recurso visual que permite se reconhecer no que veste, independente dos estereótipos do mercado.


Investigar o estilo pessoal exige olhar além da roupa e questionar o que é importante para cada um, desde como nos relacionamos com o consumo e com o nosso corpo, a outras muitas questões que definem os valores de cada pessoa. Olhar para dentro e encontrar algo que fale da gente mesmo, antes de ouvir tudo de fora, para que o nosso vestir seja produto das nossas próprias decisões.


nota: este texto é uma revisão e adaptação de um texto meu publicado na revista digital chilena Franca Magazine (https://francamagazine.com/estilo-por-sobre-tendencias/) em novembro de 2020.

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