top of page

O que eu amei da SPFW ed.53



De 31 de maio a 4 de junho tivemos nossa semana de moda e confesso que eu não estava tão animada. É parte do meu trabalho como consultora estar atualizada sobre o que está acontecendo no mercado, e eu AMO eventos, mas o esquema ver-e-ser-visto típico de semana de moda não é muito minha praia. Prefiro focar no conteúdo.


O convite para prestigiar o trabalho do Projeto Ponto Firme, e o pedido da Franca Magazine para cobrir o evento, me deixaram mais interessada. Comecei a acompanhar desde a abertura, e no segundo dia recrutei uma amiga, me montei e fui! Afinal, SPFW é o evento que mostra nossa moda ao mundo é legal ser parte disso.


Foto: Dendezeiro @dendezeiro


Antes da pandemia, o evento era todo concentrado na Bienal, mas agora vai cada vez mais ocupando a cidade com suas intervenções. Com o título de FESTIVAL SPFW + IN.PACTOS o evento busca este ano seguir seu processo de reinvenção, identificando novos protagonistas no mercado, capazes de acelerar a transição a uma moda mais alinhada com as necessidades e interesses desse novo mundo. Incorporando os princípios de uma nova economia circular, entendendo que passar de um modelo linear a um circular poderia gerar muitos ganhos, além de ser um processo mais efetivo que vai muito além do discurso, buscando soluções reais.


A programação do evento, que começou com a semana, seguirá com iniciativas durante todo o ano. Portanto, mais que fazer uma revisão dos desfiles e elementos de moda (ou eventuais tendências) que apareceram nas passarelas, meu convite aqui é a refletir sobre a simbologia dessa semana. Desde onde se realizou até quem e como se apresentou, quero entender de forma mais profunda e significativa o papel da moda no mundo atual e nas nossas vidas.



Foto: Meninos Rei. Créditos: Victor Alquezar, Senac.



LOCAIS


A pandemia ainda não acabou, né pessoal? Portanto, os eventos oficiais ainda são híbridos e com aforo controlado nas instancias presenciais. Nessa edição, foram 22 desfiles presenciais e 19 digitais, e os principais desfiles foram no SENAC Lapa Faustolo e no Komplexo Tempo.


A tradicional universidade de moda (SENAC) não somente sediou o evento, mas também incluiu seus alunos na produção e realização, proporcionando para a nova geração uma experiencia real e a possibilidade de criar desde já uma relação mais próxima com o mercado. Em paralelo, o outro núcleo de encontro foi o Komplexo Tempo, recém-inaugurado em antigos galpões na Moóca, conhecido polo histórico da indústria têxtil brasileira.


Reconectar com as raízes do ofício e fazer a ponte entre a história da indústria e as necessidades do mundo atual, é algo que uma semana de moda deste porte tem total capacidade – e por que não dizer, responsabilidade – de fazer, mas eu não tinha visto esta intenção com tanta claridade nas edições anteriores.



Foto: Atelie Mao de Mae- Komplexo Tempo- 04/06/2022. Créditos: Marcelo Soubhia/ @agfotosite


REPRESENTATIVIDADE


Tanto a cadeia de produção como os processos foram mais visíveis nas apresentações. Não somente em redes sociais, vimos as equipes completas de trabalho saírem dos bastidores para desfilar, e isso me faz pensar que a figura do “estilista deus” é cada vez menos importante. Me deu gosto ver a valorização de quem põe a mão na massa.


Com o Projeto Sankofa, iniciativa de inovação social com o objetivo de assegurar maior representatividade racial na moda brasileira, também houve um notável aumento de modelos negros, plus size, trans e com deficiência nas passarelas. Desfilaram ativistas, ícones pop, personagens de redes sociais e da cena LGBTQIA+ paulistana, além de atrizes, cantoras e até a vereadora transgênero e destacada como líder pela Revista Time em 2021, Erika Hilton.



Foto: encerramento do desfile do estilista baiano Isaac Silva no Komplexo Tempo. Uma coleção em homenagem a Marcia Pantera, ícone da noite gay paulistana, no fechamento do SPFW. Créditos: Folhapress.



Foto: Erika Hilton desfila para Isaac Silva – Komplexo Tempo- 04/06/2022. Créditos: Marcelo Soubhia/ @agfotosite


OS PROTAGONISTAS


Os nomes de sempre não faltaram, mas também se destacaram várias propostas rupturistas. Martha Medeiros levou sua oficina à passarela e assim contou a história da sua marca, a origem e o processo por trás de cada uma das peças desfiladas. Terminou vestindo ao vivo à modelo que desfilou o último look da coleção.


Ponto Firme estreou na SPFW há 6 temporadas mostrando seu trabalho com detentos e como o crochê poderia ser utilizado como terapia. Nessa edição, chegou com uma coleção completa, com mirada mais comercial e apostando no código aberto. Inclusive, você pode baixar o passo a passo para fazer uma das peças ícone da coleção.



Foto: Martha Medeiros. Créditos: Stefani Bohatir, Senac.



Foto: Ponto Firme. Créditos: Natalia Almeida, Senac.


Sem dúvida a presença de Meninos Rei, Naya Violeta e Santa Resistencia valorizando a cultura e descendência africana e indígena, nos deixou a todos com isso que queremos ver mais na moda: o resgate e cuidado de quem somos. Também marcas de origem nordestina como Martha Medeiros, Dendezeiro e Ateliê mão de mãe puseram bastante ênfase em visibilizar o trabalho manual realizado por suas marcas.


Não podemos deixar de destacar as apresentações de Bold Strap, LED e Isaac Silva, com seu tremendo trabalho de compromisso, visibilidade e conexão com o universo LGBTQIA+.



Foto: Naya Violeta. Créditos: Jeniffer Silva, Senac.



Foto: Ponto Firme. Créditos: Allison Sales, Senac.


A conexão entre o processo, o propósito e impacto social que cada marca quer e pode gerar, ficou mais que clara na apresentação dos participantes dessa edição. Coleções criadas com intenção, mostrando seus valores e buscas de forma coerente e direta, deixando pouco espaço para interpretações externas.


Daqui do meu olhar de consultora de estilo, foi lindo ver construções de identidade tão potentes e pouco vulneráveis a tendencias de mercado ou demandas comerciais. Terminei a SPFW com um novo brilho no olhar para os eventos de moda. Com a esperança de que é possível voltar a observar esses espaços e enriquecer nossas reflexões em torno da moda e da indústria. Voltar a interagir com os processos criativos, conectar com os ofícios, valorizando a identidade de cada marca e de quem se conecta com ela.


Foto 1: Naya Violeta. Créditos: Jeniffer Silva, Senac; Foto 2: Santa Resistencia. Créditos: Marcelo Soubhia/ @agfotosite; Foto 3: Naya Violeta. Créditos: Gui Rocha, Senac; Foto 4: Isaac Silva. Créditos: Marcelo Soubhia/ @agfotosite; Foto 5: Gil para LED. Créditos: Marcelo Soubhia @agfotosite.



Houve claras manifestações sociais e políticas, através de declarações expressas e referências. Predominância de marcas com cadeia de produção justa e uso de materiais e processos lentos e sustentáveis. Representatividade, conexão, identidade. Se apresentou uma moda política, inclusiva e emocionante, que vai além do discurso. E isso, sem dúvida, é de se agradecer e seguir trabalhando para que não seja novidade, e sim um ponto de partida.









bottom of page